sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Retórica do Discurso ou Discurso da Retórica?







É inegável que a presença do Brasil no Haiti tem merecido diversos questionamentos, que vão desde enfoques metodológicos equivocados, ao monopólio da MINUSTAH por setores militares até a inoperância de ações concretas e urgentes para o Haiti.
O discurso tão aguardado de nosso ilustre chanceler no último 20 de setembro traz uma retórica vazia e cansativa: ações evasivas e sem foco, tais como trazer 500 estudantes haitianos ao Brasil, incentivar o setor privado a investir no Haiti, construção de barragem em Artibonite...

O mais lamentável é, nas palavras do Ministro, parabenizar o ´´Presidente Préval pelos esforços para garantir que as eleições de novembro aconteçam de acordo com a Constituição haitiana´´. Infelizmente, o Brasil não divulgou nenhuma nota de protesto ao fato de Préval ter explícitas intenções e ações de prorrogar seu mandato por tempo indeterminado e perseguir prováveis candidatos à cadeira presidencial. Não fosse a forte pressão popular, Préval não voltaria atrás na decisão de maio de adiar as eleições por período indeterminado.


Por fim, o Ministro aproveita a reunião organizada por Bill Clinton, para sem mais nem por que, pedir a continuidade do mandato da MINUSTAH, sem qualquer alteração. Será que o ministro não percebe que a situação política do Haiti não pede mais (desde 2007, desde o meu ponto de vista) qualquer estabilização civil ou será que a assessoria do Ministro tem vergonha de ler os jornais haitianos? As palavras do Ministro representam, infelizmente uma habilidade de difícil compreensão: trata-se da retórica do discurso ou do discurso da retórica? Palavras de Amorim: ``É uma questão de bom senso que apenas após a segunda eleição sucessiva pode-se considerar a democracia consolidada. Na nossa opinião, o nível de engajamento da MINUSTAH deve permanecer inalterado até o mandato do próximo presidente´´. É complicado ou não é?




A foto à esquerda é de minha autoria, retirada em 2007, na Zona do Bicentenário- Porto Príncipe.

Queda de Braço entre a Minustah e a justiça haitiana


Em um país sob intervenção das Nações Unidas, qual o limite entre as autoridades jurídicas nacionais e os acordos estabelecidos pela ONU? Este é precisamente o caso que vem ocupando as manchetes do Metropole Haiti. Hoje, o jornal publica que no dia 22 de setembro, o juiz de instrução Eddy Fortuné emitiu um mandato para interrogar a intérprete da Missão das Nações Unidas para a estabilização do Haiti (Minustah), Joëlle Rosefort.
Joëlle, suspeita de cumplicidade no homicídio, havia se recusado a responder a um pedido para comparecer no julgamento de investigação. A trabalhadora da base do Nepal da MINUSTAH deve responder a questões relacionadas com o assassinato de Jean Gerard Gilles, ocorrido em 18 de Agosto 2010. Este jovem de 16 anos foi enforcado em um dos alojamentos do grupamento do Nepal no Cabo Haitiano.
As autoridades judiciais haitianas decidiram ignorar o aviso do líder da Minustah, Edmond Mulet, de que Joëlle goza de imunidade de jurisdição. Mulet chamou a atenção das autoridades governamentais e judiciais haitianas acerca dos acordos estabelecidos entre o governo haitiano e as Nações Unidas, que a funcionária não poderia comparecer em juízo, em razão de sua imunidade. Mulet também indicou que pediu ao Secretário-Geral das Nações Unidas a imunidade de Joëlle.
As Autoridades governamentais haitianas demonstraram profundo silêncio sobre este dossiê. Ainda não está claro se o Ministro das Relações Exteriores, Marie Michelle Rey, teria respondido ao comunicado de Mulet.

O mandato de busca autoriza os policiais haitianos a interrogar Joëlle. Várias personalidades, incluindo os senadores Kelly Bastien (Unité) e Supplice Beauzile (Alternative) exigem a continuidade do inquérito sobre o assassinato de Gerard Jean Gilles.

Fonte: Metropole Haiti

Foto à esquerda: Campanha publicitária da MICIVIH (Missão Civil Internacional no Haïti, realizada em conjunto, pela primeira vez entre OEA e ONU, em 1993, em favor da liverdade de expressão. Tradução do cartaz do keeyòl ao português: "Todo Haitiano tem direito a dizer o que pensa, de forma livre e da maneira que quiser" Fonte: http://www.un.org/rights/micivih/affiches/affich5.gif

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Protestos contra a Minustah


Em um clima politicamente tenso para MINUSTAH, tendo em vista que a maior parte dos candidadatos com chance de ocupar a cadeira presidencial defende abertamente a saída da MINUSTAH, ou pelo forma, sua profunda reformulação, o assassinato do adolescente Gerard Jean Gille, supostamente por um "capacete azul" do Nepal, devido a um furto na base da Missão no Cabo Haitiano, acirra o ânimo político em Porto Príncipe. De acordo com o Jormal Metropole Haiti, representantes de diversos setores da vida nacional haitiana condenam a recusa de Edmond Mulet, atual chefe da Missão, em autorizar inquérito sobre a morte de Gerard Jean Gilles. Mulet está sendo acusado por senadores e líderes políticos como a senadora Edmond Supplice Beauzile, do Partido Fusion de obstrução à justiça, pela recusa em autorizar a presença da intérprete Joelle Rosefort, lotada na base da MINUSTAH do Cabo Haitiano, perante o juiz de instrução encarregado do processo. Beauzile questionou ainda se não seria necessário que os membros da MINSUTAH sejam declarados "personas não gratas".


O silêncio das autoridades haitianas sobre o caso também está sendo condenado por alguns líderes políticios e membros da sociedade civil. O Presidente do Partido Jeunesse Por la Repúblique (JPR), Fednel Monchery, clama pela saída da MINUSTAH e lança um apelo à revolta popular contra a MINUSTAH que, segundo ele, declarou guerra ao povo. Monchery afirma que os líderes da MINUSTAH vão continuar matando muitos cidadãos haitianos se as pessoas não se rebelarem.

Fonte: Metropolehaiti - 23/09/2010
Foto à esquerda: Fednel Monchery - fonte: http://radioteleginen.ning.com/


quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Eleições Haiti 2010


O dia 28 de novembro irá selar o futuro políticos dos haitianos nos próximos 4 anos. O Conselho Eleitoral Provisório (CEP) homologou 19 candidaturas à presidência.

Veja o perfil de cada candidato, dispostos por ordem de intenção de voto, de acordo com o site Haiti Eléctions 2010:

Jean Henry Ceant - Renmen Ayiti - Coalisão "Amar o Haiti" - união de diversos partidos políticos e sindicatos como ADRENA (Alliance Democratique pour la Réconciliation Nationale), SOLDHA, P.N.R. (Parti National Républicain), C.D.S.H (Centre Democratique Social Haitien), etc.

Jacques Édouard Alexis - Mobilisation pour le Progrès dHaïti (MPH) - ex-primeiro ministro do 2o. governo do Préval (2006 a 2008) e de 1999 a 2001 (governos de René Préval e Aristide)
Charles Baker - Respè - Empresário haitiano
Mirlande Manigat - RNDP - Professora de Direito Constitucional, Ex-senadora e Vice-Reitora da Université Quisqueya

Jean Jeune - ACCRHA

Jude Cèlestin - INITE

Axan Abellard - KNDA

Eric Charles - PENH

Jean Anacacis - MODEJHA

Léon Jeune - KLE

Yves Cristalin - LAVNI

Wilson Jeudy - Fòs 2010

Gérard Blot - Platfòm 16 Désanm

Génard Joseph - Groupement Solidarité

Garaudy Laguerre - WOZO

Michel Martelly - Repons Peyizan

Leslie Voltaire - Plateforme Ansanm Nou Fó - Ex-Ministro do governo de Jean Bertrand Aristide (2000 - 2004)

Yvon Neptune - Ayisyen pou Ayiti - Ex-Primeiro Ministro do governo de Jean Bertrand Aristide (2000- 2004)


Foto à esquerda - Jean Henry Cean - candidato melhor posicionado na campanha eleitoralFonte: haitielections2010.com

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Uma pausa para a haitianofobia?



A haitianofobia foi um termo que denominei em minha tese de doutorado para tentar explicar o sentimento que os dominicanos historicamente cultivaram em relação ao haitianos e ao Haiti, país vizinho. Desde os setores populares até ao meio acadêmico, o sentimento é bastante generalizado na vida cotidiana da República Dominicana. Grande parte do pensamento social dominicano e da história oficial do país refere-se ao Haiti como a oposição inequívoca da dominicanidade. Obras clássicas do pensamento social dominicano foram editadas por vários governos dominicanos, como as de Joaquín Balaguer - La Isla ao Revés, contemporaneamente rebatida pela obra de Rubén Silié (atual embaixador da RD no Haiti) - Una Isla Para dos (FLACSO, 2002). Não é difícil encontrar outras obras cujo teor seja a desqualificação da cultura haitiana, da negritude e da herança africana. Esta literatura ganha vida nas práticas fronteiriças infelizmente de histórico sanguinário, como o assassinato de 5 mil haitianos, em 1937, na província de Dajabón (RD) a mando do Presidente dominicano General Trujillo. Esta violência não parou desde então e em junho de 2009, o jornal haitiano Le Matin registrou que dois haitianos tiveram suas orelhas cortadas por agricultores dominicanos na região da fronteira. Situação ainda mais difícil vivem os quase 1 milhão de haitianos que residem na parte espanhola. Os Bateys, locais de maior concentração dos haitianos, são fazendas de plantio de cana-de-açúcar e de outras culturas em que não há jornada de trabalho fixa ou salário determinado. Nas capitais do país, os haitianos também ocupam nichos profissionais bem marcados, como a construção civil e a informalidade do comércio nas ruas. O Pequeño Haití, bairro localizado ao longo de grande parte da Av. Duarte, em Santo Domingo, já foi tematizado pelo intelectual dominicano Manuel Matos Moquettte (2006) como "o Bronx haitiano na República Dominicana".
De acordo com o antropólogo haitiano Jean Casimir (2009), o racismo é tipificado quando ocorre racialização das relações de trabalho e quando há fixação das identidades raciais relacionadas a lugares rígidos da hierarquia social. Este parece ser o cenário dominicano em relação aos haitianos, o que podemos chamar de mito de origem da nação dominicana, edificado a partir da luta nacional contra o jugo haitiano, que atingiu a ilha em 1801, 1802, 1805 e de 1822 a 1844.
Após a tragédia que assolou o Haiti em 12 de janeiro de 2010, quais serão as consequências para a relação bilateral Haiti/RD? A princípio, imaginei uma pausa para a haitianofobia, própria de um momento de comoção mundial. No entanto, as marcas da intolerância logo se manifestariam: controle acirrado na fronteira e artigos lançados na mídia (ainda tímidos) de que a elite intelectal haitiana é anti-dominicana. O próprio Presidente René Préval chegou a recusar o envio de militares dominicanos ao país, mas se a presença haitiana já era intensa na República Dominicana, com o terremoto há de ficar ainda maior. O governo dominicano tem feito esforços notáveis: enviou um Embaixador de primeiríssimo nível ao Haiti: o Professor Rubén Silié, ex-diretor da FLACSO/RD, ex-Secretário Geral da Organização dos Estados do Caribe e meu orientador de doutorado sanduíche na República Dominicana. Silié tem toda uma vida dedicada ao estudo da fronteira RD/Haiti, possui relação muito boas com quase todos os intelectuais haitianos e podefazer a diferença. Mas, infelizmente, a República Dominicana também é um páis pobre, que sofre igualmente com problemas estruturais como o fornecimento de energia elétrica, falta de emprego e dificuldade de crescimento econômico. Somada à haitianofobia, que tem raízes históricas, raciais e culturais, as dificuldades econômicas também podem servir de estopim para uma xenofobia todavia mais forte contra os haitianos em solo dominicano.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Ajuda internacional no Haiti precisa ser responsável


A ajuda internacional no Haiti em meio a tragedia que assolou a capital precisa ser feita de maneira responsável, respeitando as autoridades e o povo haitiano. Alguns chefes de Estado têm protestado contra o excesso de ingerência que os Estados Unidos têm mantido na ilha. É o caso da França, que já protestou contra o controle do tráfego aéreo feito pelos americanos e agora os presidentes da Nicarágua Daniel Ortega e o da Venezuela, Hugo Chávez advertem que o Haiti ainda é um país soberano e que o caos não dá o direito de ingerência das nações mais poderosas.
O Haiti tem presidente - René Préval e primeiro ministro; tem um conjunto de intelectuais do mais alto nível, os quais me orgulho de conhecer e colaborar academicamente. O momento pós-tragédia precisa ser pensado com muito cuidado para evitar que as soluções surgidas de fora do Haiti, sem a legitimidade do povo e sem a consulta à população, à classe política e os intelectuais novamente se repitam e tornem ineficazes o excesso de intervenção estrangeira que em 2015 completará 100 anos, sem nenhum impacto positivo para o país.
Esta foto é a entrada do Aeroporto Toussaint L'Ouverture, foi tirada por mim em 2007.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Hora da Reconciliação Nacional no Haiti


A exemplo do pedido de união do presidente americano Barack Obama de seus antecessores- George W. Bush e Bill Clinton para unir esforços para a reconstrução do Haiti, é hora de os líderes políticos haitianos pensarem em uma possível união (mesmo que temporária) para a projeção de um futuro sustentável no Haiti. Isto é especialmente importante para o clima de disputa eleitoral que já se iniciava para a substituição de Préval. Qualquer plataforma política deve ser pensada para além das disputas políticas e também com vistas ao fortalecimemnto das poucas lideranças políticas haitianas com capacidade de conduzir este processo dramático. Refiro-me também à volta do presidente Jean Bertrand Aristide, adorado por milhares de haitianos. Não é mais tempo de sustentar ódios ou rivalidades, sobretudo aquelas direcionadas ao ex-presidente que atualmente vive na África do Sul sem comunicação com o Haiti. Críticas e desapontamentos, todos temos em relação a Aristide, mas este é o momento de reconciliação nacional, um período em que Préval teme que convulsões sociais sejam recorrentes e sem controle. Esta é apenas uma questão para reflexão. Quem sabe se com a volta de Aristide a população possa receber uma injeção de esperança?
Há poucas horas, Peroshni Govender publicou na Reuters que Aristide está pronto a voltar para o Haiti. De acordo com a reportagem, Aristide está muito emocionado com a tragédia no Haiti e disposto a voltar ao país, com a ajuda de amigos.
Aristide não é apenas mais um político corrupto, como advogam alguns. O movimento Lavalas que deu suporte político à sua candidatura em 1990, foi o único movimento político capaz de mobilizar toda a nação haitiana, historicamente dividida entre o norte de Christophe e o sul de Péthion. Não é fácil para nenhum presidente eleito democraticamente com forte apelo popular, como era a situação de Arisitide em 1991, levar um golpe de seu próprio Chefe do Estado Maior Raoul Cedras, implorar que a OEA e a ONU tomem alguma providência e ser absolutamente negligenciado pelas autoridades políticas internacionais. O motivo? OS EUA estavam muito ocupados com a dissolução da URSS e com a universalização da sociedade de consulo. A resposta ao apelo de Aristide só veio em 1994, com a absolvição de todos os golpistas. Pois bem, Aristide volta ao poder absolutamente desencantado, irado com as forças políticas haitianas que apoiaram o golpe (em especial, os militares caudatários do macoutismo) e com vontade de recuperar o mandato perdido, o que acabou não acontecendo devido ao fato de faltar apenas um ano para a conclusão de seu mandato. Paralelamente a isso, Aristide dissolve as Forças Armadas haitianas, o que provoca sentimentos de vingança dos ex-militares, que criaram focos de resistência em diversos locais, incluisve na República Dominicana.
René Préval (seu primeiro ministro) assume então a presidência do Haiti de 1996 a 2000, período marcado pela onipresença aristidiana na vida política haitiana e eivao de grandes contradições políticas, como o fortalecimento da OPL - Organização do Povo em Luta, liderada por Rosny Smarth (então primeiro ministro de Préval, a contragosto do Presidente). Smarth abandona o governo em 1998, o cargo fica vago por quase um ano e a partir daí o processo de transição de Préval para Aristide começa a se complicar internamente.
As eleições de Aristide em 2000 foram muito violentas e não reconhecidas pela OEA e União Europeia, mas o próprio Aristide se auto-proclamou presidente, limitando em muito as chances de uma possível reconciliação política entre os diversos setores da sociedade haitiana. Já em 2001, Aristide sofre a primeira tentativa de golpe de seu segundo mandato, perpetrado por Guy Philippe, que vivia na República Dominicana. Aristide escapou do golpe, Guy Philippe também e instalou frentes de resistência no interior do Haiti, especialmente em Gonaives, local em que partiria a principal frente de oposição a Aristide em 2004.
O 2o. governo de Aristide, sob reprovação da comunidade internacional, seguiu sob duras penas e com o apoio logístico dos chimères (jovens armados recrutados de dentro do Fanmi Lavalas) que atuavam como a polícia política do governo. Aristide deu as costas para a institucionalidade haitiana, perseguiu qualquer oposição política e sufocou a classe política haitiana. Mas veio de Gonaives, por meio de suas traições políticas, a revolta de parte da população frente a seu líder. Em feveiro de 2004, a mais ou menos 6 anos atrás, uma marcha até Porto Príncipe acuou Aristide e o fez "concordar"em se retirar do país. O curioso é que Aristide já tinha visto de entrada para a República Centro-Africana e foi transferido com avião de matrícula norte-americana. A saída de Aristide foi rapidamente substituída por uma força multinacional, a MIF, organizada pelos EUA, Canadá e França. A rápida mobilização internacional deixou sérias dúvidas quanto à participação da comunidade internacional na saída de Aristide.
Após este breve resumo da trajetória de Aristide, é possível afirmar que ele errou, mas não errou sozinho e que neste momento de tragédia, ele precisa ter garantido o direito de voltar ao seu país.
O crédito da foto é do Haiti Sciences Po.