quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Uma pausa para a haitianofobia?



A haitianofobia foi um termo que denominei em minha tese de doutorado para tentar explicar o sentimento que os dominicanos historicamente cultivaram em relação ao haitianos e ao Haiti, país vizinho. Desde os setores populares até ao meio acadêmico, o sentimento é bastante generalizado na vida cotidiana da República Dominicana. Grande parte do pensamento social dominicano e da história oficial do país refere-se ao Haiti como a oposição inequívoca da dominicanidade. Obras clássicas do pensamento social dominicano foram editadas por vários governos dominicanos, como as de Joaquín Balaguer - La Isla ao Revés, contemporaneamente rebatida pela obra de Rubén Silié (atual embaixador da RD no Haiti) - Una Isla Para dos (FLACSO, 2002). Não é difícil encontrar outras obras cujo teor seja a desqualificação da cultura haitiana, da negritude e da herança africana. Esta literatura ganha vida nas práticas fronteiriças infelizmente de histórico sanguinário, como o assassinato de 5 mil haitianos, em 1937, na província de Dajabón (RD) a mando do Presidente dominicano General Trujillo. Esta violência não parou desde então e em junho de 2009, o jornal haitiano Le Matin registrou que dois haitianos tiveram suas orelhas cortadas por agricultores dominicanos na região da fronteira. Situação ainda mais difícil vivem os quase 1 milhão de haitianos que residem na parte espanhola. Os Bateys, locais de maior concentração dos haitianos, são fazendas de plantio de cana-de-açúcar e de outras culturas em que não há jornada de trabalho fixa ou salário determinado. Nas capitais do país, os haitianos também ocupam nichos profissionais bem marcados, como a construção civil e a informalidade do comércio nas ruas. O Pequeño Haití, bairro localizado ao longo de grande parte da Av. Duarte, em Santo Domingo, já foi tematizado pelo intelectual dominicano Manuel Matos Moquettte (2006) como "o Bronx haitiano na República Dominicana".
De acordo com o antropólogo haitiano Jean Casimir (2009), o racismo é tipificado quando ocorre racialização das relações de trabalho e quando há fixação das identidades raciais relacionadas a lugares rígidos da hierarquia social. Este parece ser o cenário dominicano em relação aos haitianos, o que podemos chamar de mito de origem da nação dominicana, edificado a partir da luta nacional contra o jugo haitiano, que atingiu a ilha em 1801, 1802, 1805 e de 1822 a 1844.
Após a tragédia que assolou o Haiti em 12 de janeiro de 2010, quais serão as consequências para a relação bilateral Haiti/RD? A princípio, imaginei uma pausa para a haitianofobia, própria de um momento de comoção mundial. No entanto, as marcas da intolerância logo se manifestariam: controle acirrado na fronteira e artigos lançados na mídia (ainda tímidos) de que a elite intelectal haitiana é anti-dominicana. O próprio Presidente René Préval chegou a recusar o envio de militares dominicanos ao país, mas se a presença haitiana já era intensa na República Dominicana, com o terremoto há de ficar ainda maior. O governo dominicano tem feito esforços notáveis: enviou um Embaixador de primeiríssimo nível ao Haiti: o Professor Rubén Silié, ex-diretor da FLACSO/RD, ex-Secretário Geral da Organização dos Estados do Caribe e meu orientador de doutorado sanduíche na República Dominicana. Silié tem toda uma vida dedicada ao estudo da fronteira RD/Haiti, possui relação muito boas com quase todos os intelectuais haitianos e podefazer a diferença. Mas, infelizmente, a República Dominicana também é um páis pobre, que sofre igualmente com problemas estruturais como o fornecimento de energia elétrica, falta de emprego e dificuldade de crescimento econômico. Somada à haitianofobia, que tem raízes históricas, raciais e culturais, as dificuldades econômicas também podem servir de estopim para uma xenofobia todavia mais forte contra os haitianos em solo dominicano.